IA fora dos Estados Unidos

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IA é inglês, inglês é IA

O Inglês é a língua da internet e, portanto, a língua da IA.

As línguas mais comuns no Common Crawl, um conjunto de dados popular para o treinamento de LLMs.
Fonte: Lai et al. (2023).

Saber Inglês é crucial na área da tecnologia por muitos motivos, mas essa necessidade nunca foi tão grande quanto hoje, na era da IA.

Apesar dos modelos de linguagem de grande escala suportarem diversas línguas, e de suas habilidades terem revolucionado como traduzimos textos hoje em dia, a accessibilidade de tecnologias de uma forma geral, e sua capacidade em particular, é fortemente influenciada pela sua língua.

Por exemplo: eu me lembro quando comecei a estudar matemática para aprender aprendizado profundo, e a OpenAI tinha acabado de lançar os “GPTs.” Um dos GPTs era o tutor de matemática, um conjunto de prompts de sistema do ChatGPT ensinar matemática. Eu sugeri à um amigo, mas o ChatGPT foi enfático: só funciono em Inglês.

Esquece.

De uma forma geral, essa é uma anedota que representa o tema que eu percebi: na IA, todo mundo é igual, mas uns de nós são mais iguais do que os outros.

Isso não diz respeito apenas a disponibilidade da IA, mas também a sua capacidade: modelos de linguagem treinados em menos dados tendem a ter piores respostas e cometer mais erros:

Precisão do GPT-4 (3-shot) no benchmark MMLU em diferentes idiomas.

Fonte: Huyen, Chip. AI Engineering: Building Applications with Foundation Models (p. 105).
No benchmark MMLU, o GPT-4 tem melhor desempenho em inglês do que em qualquer outro idioma. (OpenAI, 2023)
Para obter resultados do MMLU em outros idiomas, a OpenAI traduziu as questões usando o Azure AI Translator.

Sabe o que é particularmente irônico? A IA foi usada para traduzir o sistema de avaliação porque, claro, (virtualmente?) nenhum sistema de avaliação existe numa língua que não seja o Inglês.

A IA está escrevendo o futuro, e o futuro está sendo escrito em inglês.

E em dólares.

Custo caro usar IA, e mais ainda aprender IA

Eu tenho muita sorte: eu entrei na área de tecnologia de cara, comecei a trabalhar para empresas americanas e européias cedo na minha carreira, e estou em uma situação financeira confortável.

Esse não é o caso para o restante do mundo. A renda per-capta e o salário mínimo nos países desenvolvidos é muito mais alta do que nos países em desenvolvimento, claro. Isso significa que o que é trivial para um americano pode ser proibitivo para um brasileiro.

Aqui estão alguns dados de PIB per capta em dólares, e salários mínimos em diferentes países (eu não chequei os dados mas imagino que eles estejam relativamente corretos):

Renda per capita (PIB per capita nominal em US$)
Fonte: Dados agregados de GDP per capita (Trading Economics etc.)

Salário mínimo estimado (valores nacionais convertidos para USD, 2024-2025)
Fontes variadas (WorldPopulationReview, Deel, etc.)

Sim, uma assinatura típica de IA de $20/mês custa 0,5% do salário mínimo alemão, 1% do salário americano, e 10% do salário brasileiro.

Mas isso não é tudo. A IA não funciona na nuvem de verdade, aquela dos aviões.. ela está na nuvem da internet.

E se você quiser acessá-la, precisa de um dispositivo.

E se você for usar a IA direto no seu dispositivo, com todas as garantias de privacidade que isso oferece hoje em dia, tem que usar um iPhone de última geração, como um iPhone 17 Pro, por exemplo, que tem “Inteligência Apple.”

Claro que, não esqueça, a “Inteligência Apple” é menos inteligente se não for em Inglês: menos dados, menos treinamento de IA, menos avaliações, menos pós-treinamento, etc.

Mas voltando ao dinheiro: Os dispositivos tecnológicos custam muito, mas muito mais no Brasil do que em países desenvolvidos:

Preços oficiais do iPhone 17 Pro (256 GB) — set/out 2025
(Valores aproximados convertidos para USD)

No mundo da tecnologia em geral e da IA em particular, se você não está nos Estados Unidos, você sempre vai ter algumas desvantagens a superar para competir de igual para igual.

Os fatores acima, claro, interferem se você for um usuário de IA do dia-a-dia, mas são ainda mais evidentes se você é um programador ou pesquisador em IA. Preços altos e não localizados, versões de pesquisa indisponíveis na sua região, empresas de ponta que contratam apenas no EUA, e contratam apenas pessoas que estudaram no EUA, etc.

OK. Mas chega de reclamar.

O que fazer?

Que passos eu devo tomar?

1. Aprenda Inglês!

Eu tenho uma reposta padrão para todo programador que me pergunta: “Dui, que linguagem eu devo aprender?”

Inglês.

Inglês fluente vai ser o maior diferencial entre os programadores Brasileiros no mercado global, e o mercado vai se tornar mais e mais global com a IA.

Na minha experiência, quando as pessoas dizem que sabem inglês.. elas não sabem inglês de verdade. Não dominam inglês como elas dominam Javascript ou Python — de maneira equivalente aos americanos.

Não falam inglês como falam português.

Claro: é bem mais fácil saber inglês se você nasceu ou imigrou para a America. Mas .. o mundo não é justo, e se uma criança americana consegue aprender inglês, você também consegue.

Sotaque: tudo bem. Limitações: não.

Então chega de desculpas.

2. Faça contatos internacionais

Conheça pessoas no mercado americano, em empresas americanas, de universidades americanas. Os caras estão na crista da onda, e no mundo de hoje, você precisa saber muito e também conhecer as pessoas certas.

Expanda seus horizontes: participe de comunidades americanas e mundiais, vá a eventos e conferências em outros países.

Os contatos são, de longe, a melhor maneira de abrirmos oportunidades para jogar de igual para igual com aqueles que tem mais acesso do que nós.

3. Leia. Em inglês.

A leitura é, de longe, o maior diferencial competitivo do trabalhador moderno (a IA está se estabelecendo como o segundo maior agora).

Todo mundo trabalha. Todo mundo foi pra faculdade. Todo mundo é empático, esforçado, e inteligente.

Mas nem todo mundo lê. E parece que cada vez menos pessoas lêem, o que num mercado competitivo é ruim pra eles.. e bom pra você.

E não se engane: com a IA, todos os mercados vão ser competitivos.

Em particular, você não quer ficar traduzindo tudo na sua cabeça da sua língua nativa pro inglês para só depois falar ou escrever.

Além do mais, embora hoje em dia as traduções dos livros técnicos têm sido relativamente rápidas, não são rápidas o suficiente para a indústria da IA onde meses tornam coisas obsoletas. E os artigos acadêmicos de IA de ponta são todos em inglês.

Então leia. Muito.

Em inglês.

Conclusão

Se você começou fora dos Estados Unidos e sem inglês, você sabe que largou depois do início da corrida. Agora essa velocidade multiplicou por 10 com a IA.

Se você é americano e fala inglês nativo, é bom ficar atento: muitas coisas que para você são óbvias vão ser explícitas, e muitas vezes ausentes, para pessoas de fora do país. É importante ter essas limitações em mente quando você pensa em estratégias de terceirização, por exemplo.

Se você é brasileiro, ou de algum outro país, fica o desafio: você vai ter que se virar nos trinta só pra chegar no ponto de partida dos americanos.

Mas nós somos brasileiros e não desistimos nunca.

Beleza?